crônicas

Ao vovô

Hoje, como é dia 9 de dezembro, faz cinco meses que meu avô faleceu. Esta homenagem escrevi no momento que soube que ele havia morrido. E, como forma de homenageá-lo, resolvi contar a sua história, a verdadeira herança que me deixou.

Malba Tahan, pseudônimo do autor de “O Homem que Calculava”, afirmava haver algumas características fundamentais que um contador de histórias deve ter como sentir, viver a história de modo que nos desperte o interesse pelo enredo. Sendo assim, tenho uma bela história para contar. Não é nenhuma história de contos de fadas, obviamente; e sim, de alguém anônimo e que, aqui, se tornará o protagonista. Estou falando de meu avô, Flávio Mastrangelo.  

O pai dele, Júlio Mastrangelo, veio com a esposa da Itália e aqui no Brasil teve quatro filhos: Hermínia, Maria, José e Joana. Ficou viúvo, mas depois casou-se novamente, com Achilina Serpa, também imigrante italiana. Achilina assumiu os filhos do marido com a falecida esposa, cuidando deles como se fosse fruto de sua união com Júlio, dedicando todo o seu amor. Tiveram, mais tarde, quatro filhos: Norma, Assumpta, Maria e Flávio.

Flávio Mastrangelo, meu avô, nasceu em 1928, no bairro da Penha. Aos doze anos, Júlio pôs o filho para trabalhar em uma oficina de charrete, em frente ao cemitério da Penha. Na mesma época, ingressou numa escola de música. Aprendeu a divisão de músicas, a posição de notas, a ler partituras. O pai de Flávio o orientou a aprender a tocar piston, pois era um instrumento musical fundamental em uma orquestra. Então, se encantou pela música, arte presente em boa parte de sua vida.

Aos dezessete anos, começou a trabalhar na Estação da Luz. Ficou na Estação da Luz até os quarenta e nove anos de idade, ou seja, trinta e dois anos na mesma empresa, quando se aposentou.

Também aos dezessete anos de idade, iniciou-se na música, tocando em uma banda uma vez por semana, apresentando-se em circos, bailes de formatura, quermesses. Ganhava-se pouco e era um complemento para o sustento da família. Tocou com uma orquestra, de quinta a domingo, durante oito anos. Fez parte também da orquestra de Francisco Petrônio, viajando para o Nordeste e várias cidades do interior de São Paulo. Tocava também em bailes de carnaval, durante as matinês e as noites. Ganhou prêmios, homenagem da Ordem dos Músicos do Brasil, pelo seu trabalho musical.

Mais tarde, Flávio conheceu a esposa Izilda Nunes, casaram e tiveram quatro filhos: Rosemaria, Rosana, Renata e Flávio, os dois últimos, gêmeos. Nas datas especiais como natal, ano-novo, aniversários, Flávio nunca esteve presente com sua família, pois sempre estava trabalhando, era necessário para o sustento da família.

Em dezembro de 2007, foi submetido a uma cirurgia no estômago, obtendo sucesso, em que os médicos disseram que houve um milagre em sua ligeira recuperação, por estar mais ativo e saudável. Durante um ano e meio, não teve nenhuma complicação. No entanto, desde abril de 2009, sua saúde ficou um tanto debilitada, pois já passara por diversos tratamentos anteriormente. Foi internado na UTI, onde permaneceu por 10 dias. O organismo de Flávio não aguentou e ele veio a falecer no dia 9 de julho de 2009, deixando a família Mastrangelo incompleta.

Enfim, meu avô Flávio foi uma pessoa generosa e muitíssimo esforçada, durante toda a vida. Trabalhava para o sustento da família, transmitia amor e valores éticos aos filhos e netos. Com ele, é como se eu possuísse um elo ao passado. Contava-me sobre a época que vivera, as mudanças que presenciara na antiga São Paulo. Os jovens deveriam visualizar os mais velhos dessa forma, alguém que transmite a cultura do passado para que seja possível, hoje, construir uma nova geração.  Como disse, certa vez, o músico Louis Armstrong, de quem meu avô era muito fã, “Os músicos não se aposentam, param quando não há mais música em seu interior”. Meu avô faleceu, mas deixou como herança uma história belíssima.

7 comentários em “Ao vovô

  1. Lembro sempre do poema que Vinicius de Moraes escreveu ao pai morto; não posso imaginar maior homenagem que palavras sinceras. A morte tem essa capacidade, não? De transformar a dor em lirismo. Não feliz, mas muito belo, de um modo bastante peculiar…

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  2. Marina, obrigada pela homenagem ao meu pai e seu avô. Você retratou exatamente como ele foi, um homem forte, ético, generoso, honesto e que todos gostavam. Sentimos muita falta dele. Te amo minha filha.

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  3. Para quem crer na vida após a morte….ele certamente está muito feliz, com suas palavras e principalmente suas impressões a respeito d’ele; dizem que as impressões é que ficam…

    O sentimento da perda é muito doloroso, mas sabemos que foi apenas uma viagem, nunca perdemos quem amamos, sua presença sempre estará em nossos corações.
    Sr.Flávio era DEZ…o céu ganhou mais uma estrela.


    Parabéns, pela linda homenagem….bjs

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  4. Olá marina,

    Procurando por meu colega e amigo Flávio na internet, encontrei seu artigo.
    Foi uma pena ele ter partido.
    Fui colega dele na Estrada de Ferro, aí na estação da Luz, nos idos 1970/74.
    Hoje, moro na Bahia e nunca me esqueci do seu avô, falei com ele por telefone em 2007.
    Subscrevo o que vc disse, um abraço

    omar.

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  5. Ma….
    só hoje tive coragem de ler a nova versão do vô (digo meu pai.rs) pena que você não teve muito tempo para conviver com ele, mas sei que o pouco foi muito importante para sua vida. Saiba que ele gostava muito de você, principalmente dos seus cabelos longos….
    Bom, Ma obrigado por você ter registrado esses fatos de nossa família.
    bjs.
    te adoro

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  6. Hoje procurando na internet por FLAVIO MASTRANGELO que foi meu amigo na decada de 60, encontrei o seu poema a respeito dele, que bonito, o cara era 10 e merecia essa poesia, o apelido dele na epoca era “marcha lenta” por causa da calma dele, nas segundas feiras a gente se reunia na Praça 8 na Penha pra contar as bravatas dos bailes de sabado e domingo, eu Gino, o Nelson Rubinato baterista, o Russo tambem baterista, depois iamos comer uma pizza no São Luiz, saudades dele e desse tempo que o tempo não apagou. Abraço. 26/06/2015

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    1. Sr Gino aqui é a Rosana filha do meio do Flavio. A Marina é minha filha, ela é escritora e escreveu um pouquinho da história de seu avô quando ela tinha 16 anos. Hoje ela está com 22 anos, cursando a faculdade de Filosofia na USP. Desde pequena ela adorava ouvir o avô. Fique feliz em saber que o senhor tem boas recordações de meu pai, realmente ele era um bom homem, faz muita falta para nós. Um abraço para o senhor também

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