O que leva alguém a escolher ter como profissão ser um golpista sagaz e engendrar planos, noite e dia, a fim de conquistar o prazer do triunfo e, claro, dinheiro? Essa é a pergunta que nos conduz no decorrer do filme Trapaça, do diretor David O. Russel. Porém, isso não pesa como uma questão moral a qual o espectador faz condenando a postura dos personagens. Ela surge timidamente por entre o humor leve do enredo.
O roteiro do filme é bem esperto, se constitui por diversas camadas que vão se encaixando aos poucos. É verdade que, por vezes, isso gera certa confusão no espectador ou até um pouco de tédio num momento ou outro justamente por essa sensação. Trapaça é um filme que tem um enredo audacioso, mas parece ser mais louvável o cuidado de David O.Russell em dar destaque igual a cada um dos personagens, muito bem conduzidos pelos atores do elenco.
Christian Bale está irreconhecível como Irving, genial logo na primeira cena em que aparece arrumando a peruca. O personagem dele se envolve com Sydney Prosser, interpretada pela excelente Amy Adams, a qual se torna sócia de Irving em um negócio de falsificação de obras de arte. Logo, eles são forçados a trabalhar com o agente do FBI Richie DiMaso, um ótimo trabalho de Bradley Cooper. Essa aliança soa ambígua durante o filme e mais complicada ainda quando a esposa de Irving, Rosalyn, entra no jogo. Ela é interpretada por Jennifer Lawrence numa atuação certeira para o humor do filme, convence nas poucas cenas que aparece e se torna marcante.
Como se pode ver, é impossível citar o desempenho de um ator sem falar do outro. É surpreendente o resultado que Russell consegue com um elenco harmonioso, o qual se faz tão cativante que acabamos apostando em cada um deles. Essa necessidade de se destacar o elenco vem junto com a observação de que os próprios personagens interpretam versões de si mesmos, o que vemos na maneira com que se vestem.
Há uma tentativa de aparentar um glamour que talvez não exista numa profissão arriscada como essa, a qual se faz à surdina. Ou seja, ao mesmo tempo em que esses personagens buscam disfarçar o crime cometido, eles o fazem destacando a face de novos personagens: a bela e culta londrina, o simpático agente do FBI, o tranquilo e bonachão negociante que põe panos quentes nas intrigas. Mas por trás disso, há insegurança e a complexidade de lidar com uma vida vazia e instável. Uma vida tão inesperada que ela se mostra evidente numa fala de Rosalyn, que a cada mudança enfrentada é como se ela sentisse que iria morrer.
Desta forma, David O.Russell cria um filme que pode soar um tanto cansativo em certos momentos, não é difícil se perder nele. Faltam alguns passos para que Trapaça tenha um toque final de brilhantismo, para que seja impecável. Mas a vivacidade que o elenco dá à obra e ao texto recupera consideravelmente o ritmo do filme e aprofunda a identidade dos personagens que vão além de meros impostores.