Direção: Richard Linklater
Com Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei Linklater
Indicado a seis categorias no Oscar 2015: Melhor filme, Melhor direção, Melhor ator coadjuvante (Ethan Hawke), Melhor atriz coadjuvante (Patricia Arquette), Melhor montagem, Melhor roteiro original.
164 minutos que condensam 12 anos de trabalho. Este é Boyhood, filme do diretor Richard Linklater, que apresenta a infância, a adolescência e a chegada à vida adulta, fases vivenciadas pelos próprios atores do elenco que fizeram parte destes 12 anos do projeto. O produto final é um filme que revela, com verossimilhança e simplicidade, as fases que todos enfrentam em vida.
Em primeiro lugar, o que dá um tom realista ao filme é a escolha de Linklater por apresentar este crescimento. Não apenas vemos Mason crescer, o garoto interpretado por Ellar Coltrane, mas também sua irmã Samantha (Lorelei Linklater), sua mãe (Patricia Arquette) e seu pai (Ethan Hawke) desenvolvem seus dilemas e conquistas na tela. Por entre perguntas típicas das crianças, deveres de casa não entregues, cortes de cabelos, separações e brigas, vemos esses quatro personagens apresentando à vida quem eles desejam ser e as mudanças de percurso. O curioso é constatar que o espectador quase os coloca em teste, buscando ver se realmente a sua fase vivida está lá. E isso acontece muitas vezes.
As primeiras evidências são as músicas escolhidas para o filme. De Coldplay a Daft Punk e Lady Gaga, reconhecemos o período não por uma legenda que indica a passagem do tempo, mas pelas trilhas dispostas na película e suas mudanças corporais. Essa saída perspicaz de Linklater já insere uma das grandes relações que temos com os personagens: como nós, eles têm suas fases embaladas por músicas. Ou, na infância perguntam pela existência da magia e leem Harry Potter. Reconhecemos o tempo em Boyhood por elementos que, por vezes, fazem parte das lembranças do próprio público.
Em segundo, estes personagens são comuns. É possível reconhecer neles as nossas próprias fases, quando testamos um penteado ou roupa na adolescência, em busca de uma identidade em formação, ou a pressão de escolher a carreira e assumir as responsabilidades. Boyhood é um exercício nostálgico, porém sem cair no excesso de apelar para as emoções do público. O que vemos na tela é um retrato familiar próximo da realidade. E contemplar o crescimento desta família, a surpresa em notar como o garoto cresceu, mudou seus costumes e passa a se expressar mais, acaba por provocar até mesmo orgulho por passar três horas conhecendo a história desta família, que pode, muito bem, ter proximidade com a nossa.
Com a indicação de Patricia Arquette como Melhor atriz ao Oscar, compreende-se como a sua personagem, mãe de Mason, pode também ser outra perspectiva para se levar em conta ao ver Boyhood. Se o garoto está crescendo para ser o adulto apresentado à sociedade, esta mãe que se separa, buscando ter um companheiro que a mereça, que estuda com a esperança de ser professora, apesar da dificuldade de cuidar da família, se vê abandonada pelos filhos e sem perspectiva ao final, quando os vê crescer.
Este ponto apresentado por Linklater é tão forte que eleva a sua personagem ao grande espaço que merece, ao de heroína, como muitas mães que conduzem famílias se equilibrando entre os conflitos. Assumimos um carinho por ela, nesta atuação simples e intensa de Arquette para, então, entender que o grande papel que Linklater assume com seu filme não é apenas mostrar a passagem do tempo. Boyhood aposta nas marcas que o tempo deixa nesta passagem. A força materna e a maturidade que o pai, aos poucos, vai ganhando, compõem a personalidade de Mason e Samantha. Linklater mostra como os pequenos e grandes momentos se somam na formação de um indivíduo. Com brigas, conquistas, cortes de cabelo.
Na opinião de alguns críticos, o filme pode oscilar entre uma suposta falta de roteiro e uma obra que não precisava de 12 anos para ser desenvolvida e resultar em um filme simples. Ambas as perspectivas são exageradas. O que Boyhood verdadeiramente pretende é apresentar a passagem do tempo como uma relação possível ao espectador. Sem saltos que poderiam falsificar esta relação, Boyhood expõe a simplicidade que é pouco vista no cinema. Talvez o pouco que falte para Boyhood ser um filme grandioso em todos os sentidos seja encontrar alguns elementos ficcionais no enredo. Pois ainda o cinema consegue insuflar ao real o poético que faz de uma cena ser inesquecível. Mesmo que o objetivo seja apresentar um realismo, não se pode negar que a vida comum tem suas tomadas de ficção.
Desta forma, o mérito de Boyhood é caminhar com diálogos e cenas próximos à vivência comum. Se muitas vezes reclamamos que não nos vimos retratados no cinema, Boyhood é uma resposta. É a chance de visualizar a trama da própria vida. Como diz o pai de Mason ao garoto ainda pequeno, uma baleia pode ser tão mágica quanto elfos. Um animal que canta cruzando os oceanos pode ser mágica e parte do real. Boyhood acena pelo mesmo caminho, de uma vida feita inteiramente de momentos que compõem esta bela realidade que reside em um eterno presente.