crônicas · intercâmbio 2015/2016 · literatura

Os grandes nomes no café Les deux magots

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O Les deux Magots é um encanto à parte. Visitar um café frequentado por figuras emblemáticas é pensar sobre o tempo de maneira estranha. Entre pratos, expectativas turísticas de abrandar a fome tirânica para o próximo passeio, ou o mero descanso na leitura de um jornal e outro, Les deux Magots tem a sua urgência oculta nos gestos e vontades cotidianas, porque é preciso ver que lá estiveram grandes nomes.

O olhar se demora nas paredes erguidas, nos lustres dourados e na janela que mostra a calçada apinhada de outras pessoas almoçando nas mesas. O seu esforço em pronunciar direito o pedido para o almoço traz às urgências da fome e da programação. Mas logo o perder-se entre as paredes é, finalmente, feito. Fotos de Hemingway, Sartre, Simone de Beauvoir, o sentido do café se intensifica ao imaginar que aquelas mesmas cadeiras foram ocupadas por pessoas que, hoje, são ilustres, mas que antes só queriam um café. E que fosse barato.

O escritor não tinha muitos ganhos, e Paris grita para que se saia dos apartamentos obscuros e da comodidade. Assim, escrever ganhava o repouso do café. Preço justo, horas sentado na mesa, observando a rua. O café é o lugar da pausa, enquanto o escritor se situa e produz nesta pausa. Ele vive a história do outro que passa pela calçada, e a subverte em ficção. E acaba que ser escritor não é apenas profissão, para pagar a conta do café, mas estar sempre em um café figurativo para ver e falar sobre o outro, seu igual.

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A criação já não se torna apenas momento da pausa. Ela existe já na experimentação do escritor, dentro e fora do café. Na maneira com que anda e olha Paris como se fosse a primeira vez. O respeito – sempre bem-vindo e, às vezes, esquecido – pelo estrangeiro que está descobrindo também Paris. O café era, para esses autores, e o que precisa ser para os novos, um estado de recomposição do que viu. O trabalho não pára e existe na cadeira e na mesa, na calçada, no gesto do passante, no metrô, no último sabor amargo do café. A escrita perpassa todos os cantos vividos e concede o descanso e humanidade diante da pressão rotineira e os limites do corpo. E o sentar-se na cadeira força a perceber a existência passante.

Esses nomes tão enaltecidos hoje não sabiam que naquele mesmo café, décadas depois, alguns sentariam com a esperança de comer no mesmo lugar em que vinham com seus cadernos rabiscados, largando as moedas para pagar essa ambrosia do escritor. A foto na parede mostra o encontro dos tempos. Sentar-se ao lado de Simone de Beauvoir, em tempos distintos. Mas estar lá, imaginar que poderia ser uma sexta-feira para ela, que saíra do metrô e também olhou para a Igreja de Saint-Germain, que a fome se espalhava entre o pensamento. Com o café, vinha uma fome pela escrita. Simone de Beauvoir ontem, e eu hoje sentada ao seu lado. Com esta sensação, o nó na garganta divide um espaço apertado com a comida que passa e a emoção é contida ao imaginar a autora ao lado.

No fim das contas, estar em um lugar marcado pelo passado dilui as questões pequenas do cotidiano e reúne o tempo em mesma linha temporal. Escritores do passado que escreviam pelo ato de escrever – e não pelo suposto sucesso após a morte – e novos escritores que estão começando a experimentar a escrita como a novidade de sentar-se em um café e tomar para si aqueles do passado. Uma comunhão, pela cafeína e o caderno, que esquece as distinções das décadas.

simone

2 comentários em “Os grandes nomes no café Les deux magots

  1. Lindo texto. Imagino o que você deve estar sentindo porque sei da importância e influência de todas essas pessoas na sua vida. A sua dedicação e empenho em estudar um pouco de cada um e sempre querendo mais. A importância que a escrita tem na sua vida. Agora você está aí vivendo tudo isso. Parabéns, você merece!

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  2. Olá Marina! Como o seu texto ficou bonito, tão sensível! Consegui imaginar a cena completamente, junto com aquela ansiedade e nervosismo que você descreveu no texto. Parece que a cada dia eu percebo a importância do lugar em que nós estamos para poder escrever. Muitos escritores maravilhosos viveram na França, e confesso que isso me dá muita vontade de visitá-la.

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