CHIOVATTO, Carol. Porém Bruxa. Porto Alegre: AVEC, 2019
A figura da bruxa já ganhou uma infinidade de representações distintas na história da literatura, da TV e do cinema. Das figuras maléficas à transformação em um ícone feminista e transgressor, a bruxa continua a ser uma fonte de fascínio pelo seu contato com o sobrenatural. Na história, sua imagem também foi se expandindo em leituras diversas, sempre com as marcas culturais do local que adotava lendas e as próprias versões.
Como seria, então, uma bruxa no Brasil? E nos dias atuais? Porém Bruxa, da autora Carol Chiovatto, imagina isso de forma extremamente cativante e criativa. Foram dois dias devorando essa obra que me encantou.
A protagonista Ísis Rossetti tem como trabalho monitorar as forças sobrenaturais em São Paulo. A sua amiga, a delegada Helena, a qual trabalha na Delegacia da Mulher, recebe ajuda em alguns casos de Ísis a partir de seus poderes como bruxa. Ocorre, então, o desaparecimento de uma menina e de uma mulher, e Ísis deve descobrir o paradeiro das duas e se há conexões entre o desaparecimento de Denise e o de Valentina. Somado a isso, tem o mistério envolvendo um artefato de uma onça de madeira, e contando com a ajuda de Murilo, Helena e Fernanda, Ísis passa a perseguir a verdade pelos cantos da cidade.
O livro se inicia nos vagões amarelos e serpenteantes da estação Butantã de São Paulo. A cada passo da protagonista, conseguimos estar e visualizar a São Paulo como pano de fundo do mistério. É muito fácil e prazeroso, para quem mora na cidade de São Paulo, imaginar os passos de Ísis. Pois se torna uma experiência inédita imaginar o fantástico irrompendo em lugares por onde passo normalmente, e não em algum lugar longínquo na Europa.
Além disso, tem todo um universo nas entrelinhas. Porque Ísis tem um passado vinculado ao Conselho, a quem deve prestar contas sobre o uso de magia entre humanos. Então ela conta com a vigilância do Corregedor, no caso Victor Spencer. O enredo aborda muitas vezes a questão de abuso de poder, e o quanto a magia vai além das paredes burocráticas do Conselho. É um legado passado entre pessoas e a Natureza.
A trama envolve muito bem a atmosfera policial e urbana com a tradição pouco abordada nas narrativas de bruxas, a do candomblé. Tocando no assunto da intolerância religiosa, um terreiro tem seu espaço invadido e destruído, e é dado o contraponto à figura do pastor neopentecostal. Este assunto tão atual e presente na realidade brasileira refrescam a temática das personagens bruxas, já que o poder de Ísis é oriundo da Grande Mãe, com raízes no candomblé, e não no cristianismo.
Por meio de uma escrita envolvente e um ritmo viciante, Porém Bruxa, de Carol Chiovatto, é uma leitura muito sagaz sobre adaptar a figura da bruxa à realidade brasileira, destacando as características da nossa cultura, além de apresentar uma aventura policial e fantástica com maestria em ambos os gêneros.
A autora tem um canal no Youtube, Que bruxaria é essa?, com alguns conteúdos sobre o assunto. Pois Carol é doutoranda em Inglês na USP, e possui estudos sobre as bruxas na literatura, além de ser tradutora.