Carl Vilhelm Holsøe, Sleeping Woman A exaustão tem sido companheira dos últimos dias. O primeiro impacto é o de afastar esse manto, tentar agarrar o movimento da produtividade, do utilitarismo. Mas então ela vira e revira, se torna macia, obriga a soltar, a exaustão áspera diz que já fiz e muito nesse instante, já escreveu… Continuar lendo O resto das vagas
Categoria: prosa poética
Nesta noite, um bezerro nasceu
Nesta noite em que nasci, um bezerro veio à vida. Como meu amigo contou, ele entrou na vida "como um versinho de poeta". O bezerro já era em si um ensaio de prosa poética. Ele chorava como se soubesse que o mundo era afeito aos dramas e ao peso da carne e do sofrimento. Mas… Continuar lendo Nesta noite, um bezerro nasceu
Pinguins sob as luzes da cidade
créditos: Tobias Baumgaertner Em 2020, a foto vencedora do prêmio Ocean Photography Awards, pelo fotógrafo Tobias Baumgaertner, foi um registro incomum e delicado sobre o luto. Depois de passar três noites observando uma colônia de pinguins, a surpresa dessa foto revelou dois pinguins viúvos, separados da multidão, um macho e uma fêmea, reconfortando um ao… Continuar lendo Pinguins sob as luzes da cidade
Fino vidro
Da janela do ônibus, eu vi o último aceno. Não vinha de pessoas feitas de carne. Mas eram sombras que reuniam a carne dos outros. Eram pessoas amorfas, vistas acenando. Eu sabia que não estavam lá fora, no cinza que me devolvia o olhar, na praça que virava verde embaçado pela rapidez do veículo. Pode… Continuar lendo Fino vidro
A morte das amoras
As manchas do crime residem escondidas na terra. Como mais um crime diário. O roxo se confunde com sangue, mas aos olhos humanos, é pisado e misturado pelo solado ao marrom. É só mancha de amora. Mas esquecem os homens que as amoras morrem em roxo, e não em vermelho. Roxo, quase preto, uma morte… Continuar lendo A morte das amoras
A flama de mais uma idade
A flama de mais uma idade pulsa no centro do bolo. Inicia-se como leve amarelo para explodir em pequenos raios estrelados. Da fonte amarela divergiam inúmeras estrelas morrendo no ar, contemplada por gritos e palmas. O espetáculo no topo do chocolate durava pouco. Soava como convenção em celebrações. Mas ninguém dava atenção à flama que… Continuar lendo A flama de mais uma idade
Lembre-se do 5 de novembro
“Remember, remember, the fifth of November”, o verso anda pela rua com o estalido da rima, a bota encontra a pedra, a rua está deserta. No ar, sente-se a fumaça de pólvora queimada e morte consumida. Tudo parece convergir para aquela única figura na rua, que vê e sabe de tudo, tem até mesmo vislumbre… Continuar lendo Lembre-se do 5 de novembro
Ode ao outono
O lamento pela morte que o outono anuncia é o mesmo que celebrar uma vida que se desmancha no chão e, heroicamente, persiste até as últimas cores. O verde se converte a um amarelo e laranja que cultivam a vida de cor a qual clama pelos últimos instantes de sol. A cor se aproxima da… Continuar lendo Ode ao outono
Uma senhora torre
Publicada no site Literatortura A multidão anuncia no pisar da calçada a ansiedade em vê-la. Uma das formas mais reproduzidas em bolsas, capas de caderno, no ideário de filmes românticos, em fotos turísticas. Fincada na terra em quatro pernas metalizadas, com marcas entrecruzadas, ela é imponente aos olhos que acumularam tais imagens que, por fim,… Continuar lendo Uma senhora torre
Reinvenção do abandonado
Uma peça se sobrepõe à outra e compõe um engenhoso sistema que indivíduos por aí levam nos bolsos. Uma máquina que, nas mãos humanas, traz à tona as mais insanas ideias que, postas no papel, se concretizam como um grande mundo fundado. Um mundo que se reinstala no mundo onde este pequeno dispositivo está apenas… Continuar lendo Reinvenção do abandonado