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Para uma menina com uma flor, de Vinicius de Moraes

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Autor: Vinicius de Moraes

Edição: Companhia das Letras, 2009.

Para uma menina com uma flor é uma coletânea de crônicas de Vinicius de Moraes escritas entre 1941 e 1966. É um grande achado. Conhecemos Vinicius como poeta e músico. Porém, esta aqui é mais uma de suas facetas: cronista. Algumas são líricas, outras beiram à prosa poética e ao conto ou possuem um tom cômico e leve sobre o cotidiano carioca. Mas é interessante perceber que a coletânea também se faz por memórias do autor e críticas sociais.

Vinicius era um cosmopolita, um homem do mundo. Por conseguinte, tinha um olhar apurado para buscar a poesia nas prostitutas do Mangue, nas mulheres que conhecia e idealizava, nas cidades e ruas percorridas. Essa coletânea é praticamente um diário do que o poeta via pelo mundo e o que esperava dele. Com gêneros tão amplos e uma escrita que facilmente se aproxima do leitor, a coletânea se torna marcante. Ao fim da leitura, não é difícil perceber que ficam resquícios, na memória, de sua narrativa.

A menina que possui uma flor, do título, é Nelita, uma de suas esposas. Ela foi retratada por Carlos Scliar, para a edição de 1966, desenho que está como capa dessa resenha. A crônica que dá nome ao livro tem uma delicadeza singular. Por ser um tema recorrente na literatura, às vezes pode ser difícil escrever uma crônica sobre o amor. Contudo, Vinicius consegue fazê-lo com maestria. Acostumados com o teor mítico dado à mulher em alguns de seus poemas, somos surpreendidos pela simplicidade dessa crônica. A ponto de rirmos baixinho por nos identificarmos com a personagem-título, justamente nos trechos que a faz ser humana. A flor, o item que torna essa menina-mulher tão especial, são seus gostos peculiares, as manias, o olhar doce e paciente com a vida, e suas fraquezas. Os fatos que se conhece durante o relacionamento são o que torna fascinante, para Vinicius, a sua companheira.

A crônica Praia do Pinto possui uma frase que marca o leitor durante a narrativa: “há uma praia dentro de uma praia”. Vinicius aponta para uma praia que ninguém vê, ofuscada pela beleza padronizada do Leblon: a Praia do Pinto. Vive-se em meio à miséria, dividindo espaço com a lama e a favela. O discurso do autor é sincero, cru e real. Nesse cenário, Vinicius vê a música de Ogum, os violões como o rasgo de poesia para a sobrevivência na Praia do Pinto.

Ouro preto de hoje, ouro preto de sempre é a ode de Vinicius a uma de suas cidades favoritas. Um taradinho de quatrocentos anos é uma carta de Vinicius endereçada a Deus. Suave amiga é uma homenagem póstuma à Cecília Meirelles. Susana, flor de agosto trata do crescimento da filha de Vinicius. Em Operários em construção, Vinicius se põe como um espectador emocionado diante do trabalho árduo dos operários na construção de um edifício.

A crônica Dia de sábado traça um diálogo com o poema O Dia da criação, presente no livro Antologia poética. Vinicius faz do sábado um dia de sonhos, planos eternos e liberdade. Cada elemento posto pelo autor na crônica – que é quase uma lista – tem em suas palavras um tom nostálgico. Mas uma nostalgia quanto ao futuro, aos sonhos já abandonados, os quais retornam em um dia para que tragam à luz o encanto que os constituem como sonhos. Curiosamente, em outra crônica – Conversa com Caymmi – Vinicius começa citando o sábado como o dia da criação e no qual ele teve uma conversa memorável com o cantor e compositor Dorival Caymmi. O assunto? A água. Retratada de um modo inusitado, com humor e leveza peculiares.

Gostaria de poder destacar mais e mais crônicas do Vinicius. Mas deixo aqui, aos leitores, a tarefa de descobri-las. A coletânea carrega temas densos, retratados com a linguagem simples que aproxima Vinicius do leitor. É como se ele estivesse à espreita vigiando os acontecimentos cotidianos. A ponto de você ler a obra no ônibus em um período em que as páginas dos jornais falam sobre um caso de desmoronamento de terra no Rio, enquanto Vinicius o trata também em sua crônica Conversa com Caymmi. Enfim, Vinicius de Moraes espanta por ser atemporal e exprimir o poético com a facilidade de uma conversa entre amigos.

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