Olhadelas superficiais, rápidas, fugidias. Devo ser entediante. Minhas cores e formas parecem pálidas diante da vivacidade de outras mais chamativas e conhecidas. Não consigo competir com a popularidade de um Modigliani ou Caravaggio. Um quadro como eu não encontra um olhar demorado desses passantes que se arrastam pelo museu, nem sei pelo que eles procuram. Será que estou empoeirado, velho?
Não, até ontem eu era vanguardista! Era ousado carregar essas formas difusas, a força do pincel colocada sob a tela com o ímpeto de provocar o movimento, eu desafiava até mesmo o olhar do observador. Quem me pintou adorava Monet, vivia contemplando os livros de Arte e suspirava, desejando me criar. Não sou um daqueles vários quadros retratando a beleza da ponte em explosões distintas de cores. Acho que brinco com a imaginação do observador…mas se ele se permitir ser atingido por mim.
Usar molduras é de praxe. É como se fossem uma vestimenta para apresentar os quadros. Mas, ultimamente, estou em crise e tenho achado essa moldura, que antes era convidativa, uma verdadeira prisão. Esse enlace dourado, antes um adorno, hoje um grilhão. Esses fios dourados vão se ocupando de minhas beiradas, como redes, eu tento respirar, mas me sinto sufocado. Só preciso de uma olhadela para voltar ao que era antes.
Sabe, gosto da ideia, em tese, de estar em um museu. Sinceramente, é melhor do que estar numa sala de jantar, fazendo parte de uma coleção particular, observando as pessoas rindo bêbadas à mesa, contando de como gastaram dinheiro em viagens, tentando posar de cultas e eruditas, que conheceram o Orsay, o Louvre. Mas nem sequer olham para o quadro ao lado, poxa, sou Arte!
Ou não sou? Nem sei mais. A verdade é que meus dias se resumem a aguardar por aquelas visitas de escola. Gosto de ver aqueles olhinhos saltando de curiosidade buscando tragar, ao mesmo tempo, todos os quadros do andar. São nesses momentos que percebo chamar a atenção de uma criança aqui, outra ali. Apontam, perguntam, falam de meu criador.
No fim eu vejo que é difícil a minha relação com o museu. Ao mesmo tempo em que me abriga e possibilita esses olhares, por outro lado há os dias melancólicos, em que ninguém se esforça para me ver. O prédio que me abriga, muitas vezes, chama mais atenção que os meus traços. E com essa arquitetura não posso competir.
A cada dia que lanço meu olhar para essa sala cheia de quadros que, provavelmente, sentem o mesmo que eu, busco por um olhar brilhante daquelas criancinhas que me definem com tanta simplicidade.
Conto que surgiu após um semestre convivendo com museus-espetáculo, artistas modernos e pós-modernos. E ainda inspirado na música All the rowboats, da Regina Spektor.
Que ideia maravilhosa!!! Um quadro contando como se sente: sufocado, entediado, prisioneiro, isolado, ansioso, esperançoso.
Adoro todos os seus contos. A sua capacidade de descrever cenas, situações, detalhes, reações da pessoas é incrível. Você me leva a imaginar a cena, o momento. É demais!!! Fico me perguntando como você imaginou tudo isso?
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Fala a verdade!!! Foi depois que você foi no MASP, vai?!?! hahahaah
Nossa…. Você é mais maluca que eu… Esse texto está quase o meu Telma Vilela, lembras-se dela?! rs
Gostei dessa ideia, um quadro falando como se sente, você retratou bem o passar dos tempos nesse conto, como o sentimento era de início e o que ele se tornou agora…
E nos dias de hoje, o revolucionário que ficou guardado no âmago da pintura, ficou escondida, e não porque ela (a pintura) esconde, mas é porque hoje as pessoas já não têm mais olhos de vê!!! Muito bom!!!
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